Isolado, Bolsonaro vê Exército, vice Mourão e 27 governadores marcarem distância na crise do coronavírus

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Criticado por chamar doença de “gripezinha”, presidente perde aliado Caiado. Presidente do Itaú, maior banco brasileiro, diz: “Sinto falta de um administrador da crise”


Imagem: ANDRESSA ANHOLETE (GETTY )
Bolsonaro durante entrevista nesta quarta-feira, em Brasília


Enquanto a população se isola em suas casas para tentar ajudar na contenção do novo coronavírus em boa parte do país, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (sem partido) fica cada vez mais isolado politicamente. Lideranças do Congresso Nacional, o vice-presidente Hamilton Mourão, representantes do Judiciário, governadores, prefeitos, entidades médicas e até parte da cúpula militar marcaram distância da conduta do mandatário na crise. Entre o pronunciamento em rede de rádio e TV na noite de terça-feira, no qual criticou medidas de isolamento social e voltou a chamar a Covid-19 de uma “gripezinha”, e o início da noite de quarta, cresceram as manifestações contrárias ao principal representante da ultradireita na América do Sul. O comportamento de Bolsonaro conseguiu até unificar discursos de seus opositores, que costumam agir de maneira desalinhada.

O presidente também foi emparedado por governadores da região mais rica e populosa do país, o Sudeste. Quase em uníssono, os representantes de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo disseram, em reunião desta quarta, que preferiam seguir as orientações da Organização Mundial da Saúde às considerações sem embasamento do presidente. Foram acompanhados pelos outros 23 governadores brasileiros.

Em uma teleconferência, um antigo aliado de palanque do presidente, o paulista João Doria (PSDB), iniciou uma discussão, dizendo que Bolsonaro precisava ter calma. “Presidente, como brasileiro e governador, peço que você tenha serenidade, calma e equilíbrio. Mais do que nunca, o senhor precisa comandar e liderar o país.” A resposta veio de maneira irritada: “Guarde suas observações para 2022, quando vossa excelência poderá destilar todo o seu ódio e demagogia”. Doria é pré-candidato à sucessão presidencial.

O mandatário também perdeu apoio de um dos poucos governadores que se declarava bolsonarista-raiz no país, o goiano Ronaldo Caiado (DEM). Médico de formação e político há mais de três décadas, Caiado foi um dos primeiros a declarar sustentação à gestão Bolsonaro. Em um duro pronunciamento, ele disse: “Não posso admitir que venha um presidente da República, lavar as mãos, e responsabilizar outras pessoas pela falência da economia e de empregos. Não faz parte da postura de um governante. Estadistas têm de assumir dificuldades do momento que passam”.

O pronunciamento de Bolsonaro na noite de terça-feira frisou dar atenção à economia, mais do que à saúde, justamente em um momento em que a curva de casos começa a ficar ascendente – são 2.433 registros de contaminados e 57 óbitos. “O sustento das famílias deve ser preservado. Devemos, sim, voltar à normalidade. Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, como proibição de transporte, fechamento de comércio e confinamento em massa”.

Entidades municipalistas e representantes da classe médica, chamaram o pronunciamento de equivocado. “Postura irresponsável, alicerçada em convicções sem embasamento científico, que semeiam a discórdia e até mesmo a convulsão social, compromete as relações federativas”, diz trecho de nota da Frente Nacional de Prefeitos. “Se a intenção foi acalmar, a reação da sociedade mostra que ele não alcançou seus objetivos”, afirmou o presidente de Associação Paulista de Medicina, José Luiz Gomes do Amaral.

Assim, Bolsonaro, mais uma vez, cometeu o que em política não costuma dar certo: ter de explicar o que disse em um discurso. “Pode ser que ele tenha se expressado de uma forma que não foi a melhor”, disse o vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Conforme Mourão, “a posição do nosso Governo, por enquanto é uma só: o isolamento e o distanciamento social”. É a mesma linha que vinha sendo adotada pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

Ao longo do dia, chegou a circular em Brasília que o ministro, um médico que já foi secretário de Saúde e deputado federal, poderia pedir demissão ou ser demitido. Seu substituto seria ou um militar que comanda a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Antônio Barra, ou o deputado e ex-ministro da Cidadania, Osmar Tera (MDB-RS). O próprio Mandetta botou panos quentes na situação. “Saio daqui na hora que acharem que eu não devo trabalhar, o presidente achar, porque ele que me chamou, ou se eu estiver doente. Ou num momento que eu achar que esse período todo de turbulência já tenha passado e eu possa não ser mais útil”.

Se não bastassem os recados da classe política, Bolsonaro teve de ouvir também os enviados pela classe econômica. Em entrevista ao jornal O Globo, o presidente do Itaú, o maior banco brasileiro, Candido Bracher, disse que sentia a falta no Executivo federal de um administrador de crises. “Sinto falta de um administrador da crise, de alguém que coordene todos os esforços do Governo e possa administrar o arsenal variado de medidas para combater a crise”.

Dos quartéis, o discurso foi prévio ao pronunciamento de Bolsonaro. Enquanto o presidente minimizava os efeitos sanitários da Covid-19, o comandante do Exército, o general Edson Leal Pujol, tratava o combate à enfermidade como um dos maiores desafios da atual geração. “Uma de nossas responsabilidades com a nação nesse momento de crise é que nossa tropa deve manter a capacidade operacional para enfrentar o desafio e fazer a diferença. Talvez seja a missão mais importante de nossa geração”, disse em um vídeo divulgado no canal do Exército no YouTube poucas horas antes do discurso do presidente.

Maia fecha porta ao impeachment
De volta à esfera política, no Congresso Nacional a percepção é de que ficou clara a tentativa eleitoral de Bolsonaro em suas últimas manifestações. Quatro congressistas que costumam se alinhar às pautas bolsonaristas no Legislativo relataram, de maneira reservada ao EL PAÍS, que o presidente está mais preocupado com sua campanha à reeleição, no longínquo ano de 2022, do que com a saúde da população. “Ele foi eleito com apoio forte do empresariado. O PIB de 2019 subiu 1,1%. Para este ano devemos ter uma recessão. Se não conseguir melhorar a economia, perde sustentação”, afirmou um parlamentar.

Entre esses legisladores, o presidente reagiu de maneira antecipada ao rebote econômico da crise, que deve vir e cuja profundidade vai depende de quão o longo processo de lockdown (fechamento) durar. “Todo mundo sabe que o Brasil não é a Europa. Que nossa economia não aguenta ficar 90 dias parada. Mas ainda estava cedo para fazer um discurso econômico. Ainda estamos há algumas semanas do pico de casos. Era melhor o Bolsonaro esperar um pouco para demonstrar essa preocupação econômica. Falar agora demonstrou insensibilidade”, disse outro congressista.

As movimentações do presidente fazem com que, ainda de maneira tímida, comece a ganhar força em Brasília grupos que defendem o impeachment do presidente. Ao menos sete pedidos foram protocolados na Câmara. Não há, contudo, uma sustentação política capaz de dar andamento a esses pedidos, por enquanto. “Não há motivo de impeachment", cortou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que é quem ter o poder legal de fazer um pedido de destituição no Congresso. “Como o Governo pode falar de isolamento vertical sem ter plano de contingenciamento para idosos de baixa renda?”, seguiu Maia. “Por mais que ache que o presidente esteja cometendo crimes contra a saúde pública, ao agir dessa maneira, temos de cuidar de uma crise de cada vez”, disse o líder de um partido de direita.

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