Argentina restringe acesso ao dólar e induz empresas ao calote

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O Banco Central argentino anunciou medidas que encarecem e restringem ao máximo o acesso de pessoas físicas e jurídicas à moeda estrangeira, além de forçar as empresas ao calote como forma de reestruturarem suas dívidas no exterior.


Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires


As medidas visam conter ainda mais a saída de dólares das escassas reservas do Banco Central num contexto de perda generalizada de credibilidade e de valor do peso argentino.


"A Diretoria do Banco Central tomou medidas para promover uma mais eficiente distribuição de divisas, para evitar operações de investidores não-residentes que irrompam no mercado financeiro e para assentar as diretrizes para uma renegociação da dívida privada externa", anunciou o Banco Central, através de uma nota.


A partir desta quarta-feira (16), as compras de bens e de serviços realizadas no exterior, através de cartões de crédito e de débito, terão seu montante reduzido da cota de $ 200  mensais que cada argentino tem para comprar dólares em bancos e casas de câmbio.


No país onde as pessoas usam o dólar como reserva de valor e unidade de poupança em lugar do peso argentino desvalorizado, as pessoas físicas podiam comprar até $ 200 por mês. Além disso, podiam comprar de forma ilimitada através de cartões de crédito e de débito.


A partir de agora, o limite total será de $ 200 mensais (ou o seu equivalente em outras moedas). Se uma compra superar esse limite, automaticamente será descontada das sucessivas cotas mensais.


Se, por exemplo, uma pessoa gastar, através do cartão de crédito, $ 20 em serviços como NetFlix ou Spotify, só terá $ 180  disponíveis para adquirir a moeda estrangeira.


Desvalorização encoberta


Também haverá uma retenção de 35% para quem quiser comprar dólares. Essa retenção vai funcionar como o pagamento antecipado de imposto de renda e, eventualmente, poderá ser deduzida um ano depois, sem nenhum tipo de correção monetária, num país com inflação anual próxima de 50%.


Esse novo imposto de 35% soma-se ao anterior de 30%, vigente desde dezembro quando o presidente Alberto Fernández assumiu o governo.


Atualmente, o dólar vale, no câmbio oficial, 79,25 pesos argentinos. A esse valor, soma-se o imposto vigente de 30%, elevando o valor a 103 pesos na prática. A partir de agora, será ainda somada a retenção de 35%, deixando o valor do dólar em 131 pesos para quem quiser comprar dentro do limite de 200 dólares mensais.


"A iniciativa propõe desestimular a demanda de moeda estrangeira que as pessoas físicas realizam com fim de entesouramento e despesas com cartões", indicou o Banco Central.


"O governo não quer mostrar a realidade: a de que a moeda argentina não vale o que o governo diz que vale. Por um lado, o governo quer manter o valor do peso artificialmente baixo, mas isso implica uma perda enorme de reservas do Banco Central. Então, em vez de definir o valor verdadeiro do peso, restringe as operações", explica o economista Fausto Spotorno, diretor da consultora Orlando Ferreres.


"É de se esperar que a cotação do paralelo suba porque o mercado oficial fica ainda mais restrito. E a distância entre as cotações do dólar oficial e paralelo alimentam a inflação. Portanto, são medidas que não resolvem nenhum problema. Apenas tornam a perda de reservas mais lenta e adiam o problema", avalia Spotorno.


Empresas sob restrição


No campo financeiro empresarial, quem comprar dólares no mercado, não poderá operar na bolsa de valores e os não residentes não poderão mais operar através de determinados instrumentos financeiros, responsáveis por metade da compra de dólares. As medidas visam impedir o envio de moedas estrangeiras ao exterior.


"Essa medida é perigosa porque a empresa que quiser trazer dólares à Argentina, terá de trocar esses dólares no mercado local a 79 pesos, mas, se os quiser comprar, pagará 131 pesos. Obviamente, que isso não é negócio. Essas empresas terão de financiar perdas", adverte Spotorno.


"Quem em plena faculdade mental pode trazer dinheiro ao país por 79 pesos e pagar 131 depois para o retirar? As casas matrizes vão dar ordem às filiais para se virarem como puderem. Não vão mandar dinheiro. E as filiais vão reduzir a sua estrutura local para pagar as contas", prevê.


Convite ao calote


As dificuldades para as empresas adquirirem dólares incluem uma estratégia para reestruturarem suas dívidas no exterior. A partir de agora, as empresas que tiverem vencimentos mensais de dívida acima de $ 1 milhão, só poderão comprar dólares pelo equivalente a 40% da sua dívida. Pelos 60% restantes, as empresas deverão apresentar um plano de refinanciamento da dívida ou serão obrigadas ao calote. Esse plano deve incluir um período de carência no qual a empresa não deve pagar nada.


"Convidamos as empresas do setor privado a manterem o processo de redução da dívida em moeda estrangeira a um ritmo que seja compatível com as necessidades de divisas da economia e da estabilidade cambial", aponta o Banco Central.


"O governo está, praticamente, obrigando as empresas ao calote. Além disso, essa medida vai cortar o acesso ao crédito internacional das empresas", alerta Fausto Spotorno.


A estratégia oficial é que as grandes empresas consigam, por sua conta, financiamento para as suas exportações, permitindo que o pouco crédito local fique para as pequenas e médias empresas exportadoras.


As reservas do Banco Central argentino somam $ 42,5 bilhões, mas desse montante apenas cerca de 6 bilhões estão disponíveis, um valor considerado exíguo para o atual ritmo de compras da moeda. Desde julho, saíram das reservas $ 2,6 bilhões, apesar de todas as restrições à aquisição de moeda estrangeira e ao movimento de capitais.

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