“Coronavírus chegará com certeza ao Brasil”: especialista fala sobre desafios que país deve enfrentar em caso de epidemia

Investigador do novo tipo de coronavírus no Institut Pasteur, em Paris. 28 de Janeiro de 2020. Thomas SAMSON / AFP

Para Nancy Bellei, consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, o “coronavírus chegará com certeza ao Brasil”. “Espero que seja depois do Carnaval”, completa a especialista, que também é professora da Universidade Federal de São Paulo, e teme que a epidemia desembarque antes do previsto no país. Ela contou à RFI nesta segunda-feira (3)que, além dos custos com possíveis pacientes contaminados, um dos desafios cruciais que o Brasil poderá enfrentar, numa epidemia “mesmo controlada” do coronavírus, será a demora no resultado dos testes, hoje integralmente feitos pela Fundação Fiocruz.



“No caso de pacientes suspeitos, tanto do SUS como do serviço privado, é obrigatório que eles sejam notificados ao serviço público. Independente do paciente estar no serviço privado, deve-se enviar amostras para os institutos públicos”, explica a infectologista Nancy Bellei sobre o protocolo de procedimento relativo ao coronavírus. “Hoje em dia, é apenas a Fiocruz quem realiza os testes, mas em breve teremos mais duas instituições públicas aptas a realiza-los”, conta. “Isso por enquanto. Se houver uma epidemia generalizada, provavelmente o serviço público não dará conta de realizar os testes de todo mundo”, diz.

Hoje em dia, os exames são gratuitos e obrigatórios para todos os brasileiros em caso de suspeita médica. Mas, se na Europa os resultados dos testes vêm saindo em menos de três dias, Nancy Bellei conta que “o primeiro caso levou mais de uma semana”. “A Fiocruz diz que vai começar a responder o teste em três ou quatro dias. Mas tem o transporte, dependendo de onde a pessoa estiver, existe a coleta e o transfer”, diz. “São Paulo, por exemplo, que concentra o maior número de casos no Brasil, você tem que mandar o teste de avião”, exemplifica.

Atualmente o país possui 16 pacientes suspeitos de estarem contaminados com o coronavírus, oito deles em São Paulo. O Ministério da Saúde disponibiliza um portal online com informações atualizadas sobre a doença no Brasil, na Plataforma Integrada de Vigilância em Saúde, também conhecida como Plataforma IVIS.

O Brasil estaria preparado para uma epidemia?

“Uma pequena epidemia, com alguns casos suspeitos, e uma pequena transmissão, acredito que o país poderia dar conta. Agora, uma epidemia como foi o H1N1, com 30% de infecções na população, acho que seria bem difícil nesse momento”, avalia Bellei. “O problema talvez não seja o número de óbitos. Mas uma transmissão importante resultará num impacto maior, porque isso significaria que serviços [hospitalares] que parariam de funcionar. Nós já estamos no limite em muitos serviços médicos”, afirma. “Vamos entrar logo na estação de vírus Influenza, e de outros vírus respiratórios. Se tivermos uma epidemia razoável, vai ser difícil contornar”, analisa a infectologista.

“Torço para que o coronavírus só chegue ao Brasil depois do Carnaval. Mas acho que chegará sim... Talvez antes ou durante o Carnaval, é uma época de muita circulação de pessoas e temos visto agora transmissões assintomáticas desse vírus”, explica. “O vírus é novo, não sabemos ainda se adaptará ao calor ou não. Não podemos usar o exemplo da Tailândia. Uma coisa é haver casos, outra é transmissão local”, diz.

Falta de recursos e economia fraca comprometem combate a vírus no Brasil

“A recomendação da quarentena preconizada pela Organização Mundial de Saúde é mínima, e deve ser obedecida. Agora, fazer a mais do que a OMS recomenda, vai depender das condições de cada país”, analisa Bellei. “Para fazer, por exemplo, o controle de temperatura nos aeroportos, como tem sido o caso nos Estados Unidos, é preciso toda uma estrutura eficiente e não dispersar recursos”, avalia. “O Brasil não tem feito isso, nem tem recursos para fazê-lo. Mesmo o isolamento, o país não tem isolado todos os casos suspeitos”, afirma. “Por exemplo, aqui no estado de São Paulo, a secretaria de Saúde deixou em isolamento domiciliar alguns pacientes suspeitos, com quadros leves. Isso acontece por causa da falta de disponibilidade de leitos em hospitais públicos. Claro que em hospitais privados, a conduta médica pode ser diferente”, diz.

“O ideal, na minha opinião, no Brasil, como não temos até o momento uma documentação nem de caso confirmado, nem de transmissão local, e como estamos numa fase de contingência máxima, que pode mudar do dia para a noite, seria manter todos os pacientes suspeitos em isolamento e sugerir que indivíduos recém-chegados de Wuhan permanecessem em casa”, analisa a infectologista.

“Mas, para isso, seria necessária uma vigilância, e eu sei que não temos recursos para monitorar pacientes em quarentena na residência”, diz Bellei. “Não dá para comparar a nossa situação econômica atual com a condição da França, por exemplo. Estamos muito pior do que estávamos há alguns anos atrás. Temos falta de material em vários hospitais. Para realizar o isolamento, como os franceses, seria necessário levar todas essas pessoas para um determinado local, prover recursos de saúde e de alimentação, assistência social. Não temos leitos nos hospitais públicos, nem capacidade de fazer um monitoramento diário, que é estritamente necessário”, explica a infectologista.

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