Eleições presidenciais no Chile anunciam reviravolta no panorama político

Os candidatos presidenciais chilenos, de esquerda, Gabriel Boric, do partido de coalizão Apruebo Dignidad, José Antonio Kast, do Partido Republicano, Yasna Provoste, do partido Unidad Constituyente, Sebastián Sichel, da coalizão governamental de centro-direita, Eduardo Artes, do Partido Comunista-Acción Proletaria y Unión Patriótica, e Marco Henríquez-Ominami, do Partido Progressista de esquerda, posam para uma foto antes do debate presidencial em Santiago, Chile, segunda-feira, 15 de novembro de 2021. © AP Photo/Esteban Felix, Pool

No próximo domingo (21), quase 15 milhões de chilenos vão às urnas para escolher um novo presidente, senadores, deputados e conselheiros regionais. São mais de 4.400 candidatos para  485 cargos eletivos. Para o Senado, onde o mandato é de oito anos, a eleição deste ano só acontecerá em nove das dezesseis regiões do país. Esta será a primeira vez, em 16 anos, que o presidente eleito não terá como sobrenome Bachelet ou Piñera.


Camilla Oliveira Viegas, correspondente da RFI no Chile


O cenário é incerto, isso porque mesmo com os resultados aparentemente semelhantes aos das pesquisas de opinião, no Chile o voto é facultativo. Nas últimas duas grandes eleições, a participação não passou de 50% do total de eleitores aptos. Em 2017, no pleito que elegeu Sebastián Piñera como presidente, a participação eleitoral no primeiro turno foi de 46% e no segundo turno foi de 48%. Em 2020, no plebiscito que aprovou a redação da constituição, a participação eleitoral foi de 49%.


Além disso, o candidato presidencial que chegar ao Palácio de La Moneda terá que enfrentar um panorama desafiador: a herança dos protestos de 2019, os desafios da economia no pós-pandemia, a elaboração de uma nova constituição em andamento e o crescente desprendimento dos partidos políticos tradicionais da cidadania.


“Devemos levar em consideração que existe no Chile um fator sócio-cultural que atenta contra os partidos. Diferentemente do que acontece em outros países da América Latina, e inclusive em algumas democracias europeias, observamos que esse antipartidarismo provém do próprio sistema político, não de fora. Podemos dizer que isso tem acontecido nos últimos 7 ou 8 anos, quando verificamos o surgimento de partidos alternativos aos partidos convencionais. Mesmo assim eles não conseguem mobilizar todo o eleitorado e essa desconexão ainda persiste por parte da cidadania”, diz Octavio Avendaño, Doutor em Ciências Políticas pela Universidade de Firenze e professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade do Chile.



Para todos os gostos 


O último debate entre os sete candidatos presidenciáveis, que aconteceu na segunda-feira (15), e foi transmitido pela TV aberta, representou a última chance para que Gabriel Boric (Convergência Social), José Antonio Kast (Partido Republicano), Yasna Provoste (Partido Democrata Cristão), Sebastián Sichel (Independente), Eduardo Artés (União Patriótica) e Marco Enriquez-Ominami (Partido Progressista) tentassem convencer os eleitores. Franco Parisi (Partido da Gente) não esteve presente no debate, assim como aconteceu com todos os outros anteriores. Ele se encontra atualmente nos Estados Unidos e de lá tem feito toda a sua campanha eleitoral.


Em pleno fechamento de campanha, os candidatos à presidência tiveram a agenda cheia nesta semana e, em meio às últimas pesquisas divulgadas de forma legal, os dados são favoráveis a José Antonio Kast e a Gabriel Boric, que representam os dois lados mais distantes ideologicamente dentre os candidatos. De acordo com a pesquisa Plaza Pública (Cadem) de 5 de novembro, Kast tem 25% das intenções de voto, Boric tem 19%, Parisi tem 10%, Yasna Provoste tem 9%, Sichel tem 8%, Marco Enriquez-Ominami tem 5% e Artés tem 2%. Para a pesquisa Pulso Ciudadano, liberada no mesmo dia que a Plaza Pública, Kast soma 21% dos votos e Boric soma 17%.


“O cenário político chileno [...] está em fase de reconfiguração após as manifestações sociais de 2019. É muito cedo para dizer que o avanço da extrema direita está consolidado. O aumento da intenção de voto de Kast está mais ligado a lacunas na campanha do outro concorrente da direita, Sichel, e porque Kast encarna bem o eleitor que exige mais ordem, segurança, restrição à imigração, Forças Armadas em Araucanía, etc. No médio prazo, o sucesso de Kast dependerá da capacidade da direita de rearticular seu projeto político, que enfraqueceu após este governo (Sebastián Piñera)”, explica Mireya Esther Dávila, Doutora em Ciências Políticas pela Universidade da Carolina do Norte, Historiadora e professora do Instituto de Assuntos Públicos da Universidade do Chile.


Os dois extremos


Gabriel Boric, da aliança partidária de esquerda “Apruebo Dignidad”, tem 35 anos, é deputado pela região de Magallanes e integra o cenário político do país há pelo menos dez anos. Seu rosto se tornou conhecido em 2011, quando foi um dos líderes dos protestos estudantis daquele ano e porta-voz da Confederação Estudantil. Era o primeiro mandato de Piñera e os estudantes pediam educação gratuita em escolas e universidades, eliminando o sistema privado implantado na ditadura militar de Pinochet. Boric tem um programa progressista e planeja que as pensões, educação e saúde sejam garantidos pelo Estado. Ele também é um dos candidatos que defende a agenda ambiental.


Se estivéssemos em um campo de futebol, José Antonio Kast seria o goleiro do outro time. Advogado, seu último cargo público foi como deputado pela Região Metropolitana em 2018 e, em 2017, também foi candidato presidencial, sendo derrotado pelo atual presidente. Kast é considerado um candidato conservador e de ultradireita, seu programa preza por diminuir a presença do Estado nas instituições, reduzir o imposto obrigatório chileno (IVA), entre outros temas. Ele já mencionou que é a favor da privatização das empresas estatais e que vai eliminar o Ministério da Mulher e da Equidade de Gênero. Contrário ao aborto, Kast já divulgou fake news sobre o tema. José Antonio Kast não tem aliança com outros partidos.


“José Kast representa a “extrema direita”, que não lamenta seu apoio à atuação e às políticas públicas da ditadura de Pinochet no Chile. Outro termo seria "direita radical". Se considerarmos a esfera valórica de Kast, não há dúvida de ele exibe um conservadorismo extremo. Em outras palavras, se há algo em que ele pode ser considerado extremista, é em seu conservadorismo, tanto no nível de valores, quanto na propensão a usar a força jurídica do Estado para acabar com os protestos sociais via polícia.


Como Bolsonaro no Brasil, mas sem seus maus modos e expressões "excessivas", Kast é radicalmente anti-esquerdista e, nesse sentido preciso, também é anti-pluralista”, explica Pierre Ostiguy, Doutor em Ciências Políticas pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e professor titular da Escola de Administração Pública da Universidade de Valparaíso.


“Meio de campo”


Dentre os candidatos “de meio de campo”, que mantêm um perfil mais moderado estão Yasna Provoste, Sebastián Sichel e Marco Enríquez-Ominami. Provoste tem 51 anos, é senadora pela região do Atacama e foi presidenta do Senado de março a agosto deste ano, quando saiu para fazer sua campanha. Foi Ministra de Planejamento do ex-presidente Ricardo Lagos (2004 a 2006) e Ministra da Educação de Michelle Bachelet (2006 a 2008), quando sofreu acusação constitucional e foi destituída do cargo. Uma das suas mais populares promessas de campanha é o reajuste de salário base dos professores.


Sebastián Sichel, 44 anos, já transitou por vários partidos políticos, mas sempre esteve alinhado ao centro. Na esfera pública, trabalhou no primeiro mandato de Bachelet e, no segundo mandato de Piñera, foi Ministro de Desenvolvimento Social e Presidente do Banco Estado. Como independente, Sichel mantém aliança a “Chile Podemos Más”, um pacto partidário de centro-direita que une quatro partidos de direita. “Chile Podemos Más” é a mesma aliança política do atual presidente, Sebastián Piñera.


Marco-Enriquez Ominami, 48 anos, é cineasta e político. Fundou o Partido Progressista após sua saída do Partido Socialista. Esta é a quarta eleição presidencial em que é candidato, tendo apresentado queda de votos desde então. Conseguiu absolvição no caso OAS no Chile a tempo de se inscrever como candidato presidencial. “ME-O” como é conhecido no país, teve o pai assassinado pela ditadura militar de Pinochet.


Ponto fora da curva


Franco Parisi, identificado como um candidato de direita, entrará para a história do Chile como o único presidenciável a fazer sua campanha totalmente de forma online. Atualmente nos Estados Unidos, não pisou um dia sequer no país e esta é a segunda vez que ele se candidata. Carismático, conseguiu conquistar seguidores para formar seu próprio partido, o Partido da Gente. Atualmente, ele mantém uma briga judicial com sua ex-esposa por dívida de pensão alimentícia que já ultrapassa dos $ 207 milhões de pesos chilenos (aproximadamente R$ 1,3 milhão).


Por último, Eduardo Artés, 70 anos, é professor, mas foi trabalhador rural, da construção civil e metalúrgico. Fundou dois partidos, União Patriótica e Partido Comunista Ação-Proletária. Ele já afirmou ser a “verdadeira esquerda”. Artés é a favor da pena de morte, abolida no Chile em 2001, para traficantes e para o que considera “traidores da pátria”.


Quem vai ganhar?


É com estas opções que as pesquisas de opinião prevêem um segundo turno polarizado, visto que nenhum dos candidatos constituem mais de 50% da preferência dos votos. Os chilenos vão às urnas enfrentando os efeitos econômicos da pandemia da Covid-19, com um atual presidente cuja aprovação não ultrapassa os 16% e acompanhando o desempenho de uma assembleia constituinte que divide opiniões.


“Acho bem possível que os setores de direita e mais conservadores do Chile, em um segundo turno entre Boric e Kast, de fato apoiem Kast. O que chama a atenção nessa eleição de primeiro turno foi o colapso da candidatura de Sebastian Sichel. É um tanto paradoxal que depois de ter vencido as primárias, ele tenha caído tanto, diante de alguém que sem dúvida foi um estranho na política chilena. Isso tem a ver, como expliquei anteriormente, não com mudanças dentro da própria classe política, mas com algo mais profundamente sociocultural que tem a ver com uma certa lógica polarizada, provocações desnecessárias e, para cerca de um quinto do país, um certo medo diante de uma mudança rumo a um futuro desconhecido”, finaliza Pierre Ostiguy.

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