Metade da população mundial está "muito vulnerável" aos impactos da mudança climática, adverte IPCC


Em novo relatório divulgado nesta segunda-feira (28), especialistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês) renovam a advertência sobre os impactos "catastróficos" do aquecimento global para a humanidade e os ecossistemas. O documento, elaborado por 270 cientistas de 67 países, traz orientações para ajudar governos de 196 países a se preparar para limitar os danos decorrentes da mudança climática, a chamada "adaptação" aos riscos.


O novo relatório é um verdadeiro "atlas do sofrimento humano" e não deixa margem para dúvidas: as consequências do aquecimento global provocado pelas atividades humanas não se limitam ao futuro. A mudança do clima se acelera, apesar dos apelos dos cientistas para reduzir com rapidez e intensidade as emissões de gases do efeito estufa. 


A temperatura do planeta aumentou, em média, +1,1 °C desde a era pré-industrial e o mundo se comprometeu em 2015, com o Acordo de Paris, a limitar o aquecimento abaixo de +2 °C, e se possível de +1,5 °C. Com a continuidade do aquecimento da Terra e a multiplicação de fenômenos meteorológicos extremos, o mundo já enfrenta, em quase todos os continentes, uma série de catástrofes: secas, inundações, ondas de calor, incêndios, insegurança alimentar, escassez de água, doenças e aumento do nível das águas.


Com isso, metade da população mundial, entre 3,3 e 3,6 bilhões de pessoas, está "muito vulnerável" aos impactos cruéis e crescentes da mudança climática, e a inação "criminosa" dos governantes ameaça reduzir as poucas possibilidades de um "futuro habitável" no planeta, alertam os especialistas da ONU.


"Esses impactos são mais graves entre populações urbanas marginalizadas, como os moradores de favelas", aponta o Observatório do Clima, que reúne várias ONGs ambientalistas no Brasil. Nas regiões mais vulneráveis, o número de mortes por secas, enchentes e tempestades foi 15 vezes maior na última década do que nas regiões menos vulneráveis, indica a ONU. Os países ricos também são afetados pelos fenômenos extremos, como recordam as grandes inundações na Alemanha ou os incêndios devastadores nos Estados Unidos no ano passado. A recente tragédia das chuvas em Petróplis (RJ) demonstrou essa vulnerabilidade. Se o mundo não decidir de forma rápida reduzir as emissões, enfrentará uma enxurrada de impactos inevitáveis e "às vezes irreversíveis" nas próximas décadas, advertem os especialistas.


O documento divulgado hoje é o segundo volume do Sexto Relatório de Avaliação (AR6) do IPCC e está centrado nas medidas de "adaptação" para atenuar esses riscos. O sumário foi finalizado numa reunião virtual, em meio à guerra na Ucrânia. As discussões ocorreram num clima interno de pressões e desentendimentos entre governos e cientistas. A síntese do IPCC é destinada a tomadores de decisão, que devem conduzir políticas climáticas nacionais e em nível internacional nos próximos sete anos. 


"Eu vi muitos relatórios científicos durante minha carreira, mas nenhum como este", reagiu o secretário-geral da ONU Antonio Guterres, que o descreveu como um "atlas do sofrimento humano e uma acusação que aponta para uma liderança falha em termos climáticos".


Questão de sobrevivência

Antes de um terceiro volume previsto para abril sobre as soluções para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, o documento publicado hoje destaca que superar, ainda que de maneira temporária a barreira de +1,5 °C, poderia provocar danos "irreversíveis" a ecossistemas frágeis como os polos, as costas e as montanhas, com efeitos em cascata para as comunidades que vivem nessas áreas. As consequências desastrosas aumentarão com "cada décimo adicional de aquecimento". No primeiro volume do relatório, publicado em agosto do ano passado, o IPCC havia estimado que até 2030 – ou seja, dez anos antes do que se pensava – a temperatura da Terra atingiria a alta de 1,5 °C.


Os cientistas também preveem o desaparecimento de 3 a 14% das espécies terrestres e alertam que até 2050 quase um bilhão de pessoas viverão em áreas costeiras de risco.


"A adaptação é crucial para nossa sobrevivência", reagiu em um comunicado o primeiro-ministro de Antígua e Barbuda, Gaston Browne, que preside a Aliança de Pequenos Estados Insulares (Aosis). Brown fez um apelo para que os países desenvolvidos respeitem o compromisso de aumentar a ajuda climática aos países pobres, em particular para permitir que preparem para as catástrofes previstas.


Flutuar ou se afogar

A respeito deste ponto, o relatório constata que, apesar de alguns progressos, os esforços de adaptação são em sua maioria "fragmentados, de pequena escala" e que, sem uma mudança de estratégia, a lacuna entre o que é necessário e o que precisa ser feito pode aumentar. 


Em um determinado ponto, adaptar-se não será possível. Alguns ecossistemas já foram pressionados "além de sua capacidade de adaptação", adverte o documento. Por isso, com a continuidade do aquecimento global, a adaptação e a redução das emissões de CO2 devem caminhar juntas, enfatiza o IPCC.


"À luz dos compromissos atuais, as emissões globais vão aumentar quase 14% na década atual. Isto representará uma catástrofe. Vai destruir qualquer chance de manter viva a meta de 1,5ºC", denunciou Antonio Guterres, que apontou como "culpados" os grandes países emissores. "O abandono da liderança é um crime", disse.


Apesar da constatação do estado gravíssimo do planeta, vários Estados, como China, Índia e Arábia Saudita, tentaram durante a negociação retirar as referências à meta de +1,5°C, relataram pessoas que participaram das discussões.


O mundo prometeu na recente conferência sobre o clima da ONU, a COP26 de Glasgow, no fim do ano passado, acelerar a luta contra o aquecimento global e reforçar as ambições para a COP27, programada para o Egito, em novembro.


"Não esqueçamos de uma coisa: estamos todos no mesmo barco", afirmou o ex-primeiro-ministro de Tuvalu, Enele Sopoaga. "Ou conseguimos flutuar ou afundamos e todos nos afogamos", acrescentou o ex-governante da pequena ilha no Oceano Pacífico.


Independentemente da taxa de emissão de gases de efeito estufa, um bilhão de pessoas poderá viver em áreas costeiras em risco até 2050, já que a elevação do nível do mar aumenta o impacto das tempestades e inundações. A população em risco de inundação marinha duplicará se o oceano subir 75 cm, um número em grande parte consistente com as projeções para 2100. Hoje, cerca de 900 milhões de pessoas vivem a menos de 10 m acima do nível do mar.


Adaptação

A questão da adaptação, ou seja, da adoção de medidas para limitar ou se preparar para os impactos da mudança climática é agora central. Redescobrir variedades antigas de culturas agrícolas mais resistentes, restaurar mangues ou construir diques, plantar árvores nas cidades para criar corredores frios estão entre as possibilidades que devem ser exploradas com urgência. Mesmo assim, não há garantia de resultados.


O IPCC adverte, ainda, contra os perigos de medidas que podem ser totalmente contraproducentes, quando o mundo não tem mais margem para erros. Por exemplo, a construção de barreiras ou muros para proteger áreas habitadas ou zonas costeiras da elevação do nível do mar. Esse tipo de medida pode criar uma sensação de falsa segurança, adiando perigosamente a adoção das medidas necessárias para conter as mudanças.


Entre outras medidas de “maladaptação” listadas pelo IPCC estão a adoção de agricultura irrigada e a construção de hidrelétricas em regiões sujeitas a secas. Povos indígenas e moradores de periferias, afirma o painel, são especialmente vulneráveis a medidas maladaptativas.


“A grande mensagem do Grupo 2 do IPCC neste relatório é que a mudança climática é um brutal agravador de desigualdades e um perpetuador de pobreza”, afirma Stela Herschmann, especialista em Política Climática do Observatório do Clima.


“A justiça climática precisa entrar na ordem do dia, e esse relatório é a demonstração mais cabal já feita de que já estamos vivendo um contexto de injustiça climática, onde os impactos adversos de eventos climáticos extremos variam por diferenças na exposição e vulnerabilidade, com regiões como a África e a América Latina sendo desproporcionalmente afetadas”, conclui Herschmann.


Texto por: RFI

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